José Rodrigues Dias
04/11/2014 01:49

És barco velho de vela içada no areal
esperando a partida
(o ok final)
para de novo te pores a navegar
depois de mãos e de braços lavados,
bebido, comido, teus rasgos remendados,
recuperados os destemperos do sono
e as noites frias sem amar,
sem amor,
e navegar de novo, firme na mão o leme,
no silêncio das velhas estrelas ainda acordadas
quando o dia se faz à noite e se espreme,
ou no suor que escorre salgado
do sol que a gente teme
ainda que em chapéu largo coado…
És barco, talvez avião a jacto no terminal
pronto para voar
para me levar
a outro porto sem qualquer ponto final…
Eu sou o meio que espera a luz de outro dia
(eu sei que a Luz é una mas é um arco-íris),
sou como se fosse outro barco
ou talvez como se fosse outro jacto
com a vinda de outro sol
ou de outra estrela
para uma nova partida,
pêndulo de pão
e de mão
em perpétuo movimento,
primeiro o atrito sendo quase restrito
e depois sendo de uma sábia harmonia
quando se amplia todo o pensamento…
Sou (terei já sido?...) como tu,
meu velho barco no areal
temperado pelos ácidos do tempo,
ou como tu,
meu novo jacto,
deixando, supérflua,
a carga efémera de incertos números,
exceptuando os de ouro em fórmulas mágicas
de uma simplicidade que sempre me brada,
que em certo canto por aí ainda se degrada,
para me lançar de novo no mar
ou ao ar
(a terra pode ela sempre esperar),
em busca de dispersas e velhas letras
para serem poema de uma canção nova
de velhos números e de novas letras,
um poema erigido como templo novo,
porque o ser soma limite integral, inteiro,
é um ser feito de tudo,
é o ser de todas as partes dispersas feito,
de sabiamente unidas o uno ser refeito
e ser feito
um ser quase que divinamente perfeito…