Maria Oliveira
13/11/2017 01:06
Chuva
A chuva perguntou ao rio
Onde vais com tanta pressa?
Perdes-te na correria das águas
Diluis-te nas enseadas
Nas baías no alto mar profundo das mágoas
A chuva interpelou a montanha
Porque era fria inóspita austera
Que segredos guardava
Onde as grutas a corroíam
Onde as árvores centenárias a terra comiam
A chuva inquiriu os homens
Sobre o espírito de que eram feitos
Mas não encontrou resposta nem entre os esquecidos
Nem mesmo entre os eleitos
A chuva enegreceu
O céu ficou escuro como breu
E calculou que os seres inteligentes
Se deixavam arrastar pelas falsas correntes
Desistiu então de irrigar os campos
O homem desagregou-se nos flancos
Consumiu-se a ele próprio na divisão dos corpos
No estilhaçar das almas afundou-se no poço
Onde os algozes criaram raízes
Desmembrou-se onde o ciúme e ganância
Arquitetam a aniquilação da espécie ainda na infância
A chuva derramou as lágrimas sobre o deserto
Apaziguou o fogo revoltado
Moldou a lama em forma de lâmina
E esperou que a semente original do amor
Voltasse a germinar no planalto da floração
No pacífico templo da oração
Mesmo enfeitada de cansaço no dormente coração
Envolve-me chuva quero partir contigo
Porque o reino humano falha e vegeto num jogo contaminado
Em que tudo se baralha e há muito tempo que tomei consciência
Que não me dá qualquer abrigo!